A grande maioria dos livros didáticos de macroeconomia moderna trata
as questões do crescimento econômico e do desenvolvimento como um
problema da acumulação de capital e do progresso tecnológico. Mas essa
limitação é deficiente, pois deixa de fora o papel do empreendedor como o
principal agente da promoção do progresso econômico. É somente
atentando para o papel do empreendedor que as perguntas podem ser
respondidas a respeito de quem orienta a acumulação de capital, quem
decide que tipo de capital será investido, e quais entre as diversas
opções tecnológicas serão escolhidas. A fim de descobrir por que alguns
países prosperam e outros não, o empreendedorismo deve ser incorporado
no corpo da teoria econômica do crescimento e do desenvolvimento.
Destruição criativa
Foi principalmente Joseph Schumpeter (1883-1950) quem estendeu
fortemente a tese do papel essencial do empreendedor no desenvolvimento
econômico. Na verdade, esse economista nascido na Áustria, que mais
tarde em sua vida chegou a lecionar na Universidade de Harvard, ganhou
fama no início de sua carreira acadêmica com a publicação de Teoria do Desenvolvimento Econômico
(1911). Nessa teoria, Schumpeter mostra o papel central que o
empresário tem como agente de promoção do progresso econômico através da
destruição criativa. A "destruição criativa" expressa a ideia de que a
economia capitalista moderna é caracterizada por uma luta incessante
pela inovação.
De acordo com Schumpeter, o empreendedor é inspirado por uma ideia de
negócio que ele pretende realizar com a ajuda de dinheiro emprestado. O
empreendedor como “tipo idealizado” é uma figura heroica que escolhe o
campo de batalha no mundo dos negócios a fim de viver o seu espírito de
conquista e do seu desejo de dominação. Para Schumpeter, o empreendedor é
uma pessoa que compartilha com um imperador e conquistador atributos
como criar e governar um domínio próprio e fundar uma dinastia.
A atividade do empresário como destruidor criativo leva à criação de
novos mercados, novas indústrias, novos produtos ou novos métodos de
produção que revolucionam o estado atual da economia e tornam os
produtos e procedimentos estabelecidos obsoletos. Neste sentido o
progresso econômico é impulsionado pela busca incessante da inovação.
Teoria do Conhecimento
Uma teoria diferente sobre o papel do empreendedor no desenvolvimento
econômico é fornecida pela Escola Austríaca de Economia. Para Ludwig
von Mises (1881-1973) a função do empreendedor existe porque o futuro
não pode ser previsto exatamente.
Dentre as três formas básicas de lidar com a incerteza do futuro - a
especulação, a probabilidade e a engenharia - a especulação é a forma
típica para a ação humana ao lidar com assuntos econômicos e financeiros
e com as incertezas da vida em geral. A especulação é o modo básico do
juízo empresarial. Se o futuro fosse certo, a especulação de fato seria
desnecessária. Então seria possível calcular a futura estrutura do
mercado e o empreendedorismo seria desnecessário, pois a sua função
poderia ser exercida por engenheiros e matemáticos com suas máquinas
calculadoras..
No entanto, como salienta Mises, "a ideia empreendedora que gera
lucro continuamente é exatamente aquela que não pode ser facilmente
pensada pela maioria. Não é uma previsão correta que gera lucros, mas
uma previsão melhor do que todas as outras. O prêmio vai somente para os
dissidentes que não se deixem enganar pelos erros aceitos pela
multidão. O que faz emergirem os lucros é a provisão para as
necessidades futuras para as quais os demais falharam em fazer
adequadamente".[1]
O fato de que o futuro não pode ser previsto e de que
consequentemente a inovação é um ato de especulação revela que a
essência do progresso econômico consiste em empreendedorismo. Assim
segue logicamente que o planejamento de grande estilo do futuro não pode
ter uma base racional devido à falta de conhecimento confiável. Como A.
F. Hayek (1899-1992) explica em seu artigo
do ano 1968, a concorrência empresarial é indispensável para o
progresso econômico porque é a competição mesma que serve como o
dispositivo de descoberta.
A eficácia do planejamento econômico central é limitada porque ele se depara com um duplo véu da ignorância.
Primeiro, há a ausência de conhecimentos precisos e certos do futuro.
Quando é esse o caso, o tomador de decisões na economia precisa da
descoberta experimental baseada em especulação. É exatamente isso que os
mercados oferecem. Sob a condição de ignorância, a lógica do
planejamento em si exigira um sistema de descoberta, e a melhor maneira
de descoberta econômica é nada mais que o processo de mercado
competitivo.
Segundo, um sistema de mercado é também necessário a fim de produzir
conhecimento e fazer uso do conhecimento. Além de lidar com a
ignorância, o sistema de mercado serve como um instrumento para gerar e
fazer uso do conhecimento comercial. Esse tipo de conhecimento econômico
valioso só está disponível de forma descentralizada e limitada à
especificidade do espaço e do tempo. Esse tipo de conhecimento é
disperso e é, muitas vezes, gerado apenas por um período curto de tempo e
só pode ser avaliado pelas pessoas locais.
O empreendedor desse tipo é um ator que sabe fazer uso de
conhecimento que não pode ser armazenado, formalizado ou enviado numa
forma relevante para uma autoridade central. Esse conhecimento consiste
em informações cuja relevância só pode ser julgada adequadamente pelo
empresário que sabe também transformá-lo em ação economicamente útil
através da atividade empresarial.
Função empresarial
Diferente da teoria de Schumpeter e das teorias macroeconômicas de
crescimento, a principal contribuição da Escola Austríaca de Economia na
compreensão do desenvolvimento econômico é baseada na teoria do
conhecimento. Na visão da Escola Austríaca de Economia, empresários
cumprem a dupla função de lidar com a incerteza e de gerar e fazer uso
do conhecimento disperso localmente em suas atividades diárias. O
crescimento econômico envolve sempre um passo à frente rumo ao
desconhecido.
O desenvolvimento econômico não só ocorre nas etapas principais da
destruição criativa, mas também de forma fragmentada no trabalho diário
nas empresas. Neste contexto, a função empresarial não se limita ao
empresário excepcional. A função empresarial está nas mãos de milhares
de homens e mulheres de negócios e ainda mais também nas mãos das donas
de casa e de todos os agentes econômicos, incluindo o consumidores, que
fazem uso consciente das informações comerciais. Assim se pode constatar
que uma sociedade comercial é na sua essência uma sociedade
empreendedora.
O progresso econômico requer de uma multidão de empresários
competindo entre si na busca de um novo produto comercial e de
dispositivos de produção economicamente mais eficientes. Ninguém pode
saber com certeza de antemão quais produtos e qual dispositivo serão os
mais adequados sem levar em conta o teste de mercado contínuo. A
atividade empresarial é especulativa e experimental. Para cumprir a sua
função, mercados servem como um laboratório institucionalizado do
progresso econômico. Assim, não é nenhuma surpresa que o crescimento
econômico historicamente tenha aparecido em combinação com o surgimento
de um sistema de livre iniciativa. Liberdade e concorrência empresarial
servem como os fundamentos para a acumulação de capital e o progresso
tecnológico.
Conclusão
As teorias modernas de crescimento econômico são deficientes porque
não incorporam plenamente a função empresarial. O modelo de Schumpeter
de destruição criativa oferece uma importante contribuição para a teoria
do crescimento, no entanto, se concentra nas características do
empreendedor e na sua notável conquista quase heroica.
A própria natureza do progresso econômico requer especulação
empresarial. No entanto, além do seu papel de lidar com a incerteza, o
empreendedorismo também é necessário para cumprir o trabalho diário da
atividade econômica de fazer uso de pequenas porções de informação que
permitem a eliminação de ineficiências e servem como sinais para
explorar oportunidades econômicas. É a função do empresário gerar e
utilizar essas porções de informação. Embora a recompensa individual
para o empreendedor de sucesso seja o lucro, a recompensa para a
sociedade global é o progresso econômico geral.
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